Antes de sua morte em 1997, o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes publicou seu primeiro e único livro: Três Mulheres de três PPPês, a obra contém três contos que na verdade são interligados. O leitor descobre a ligação entre eles de uma forma inovadora, porém simples, pois a linguagem usada é popular e bastante descontraída.
Por ser um crítico de cinema, o autor
também dá aos contos um caráter cinematográfico como, por exemplo, nesta
passagem, onde ele usa termos de uma real cena “Penso que poderia ter sido um
grande encenador e no episódio que estou lembrando o único obstáculo que sua
criatividade não soube vencer foi a minha incompetência como atriz. [...] No
momento de entrar em cena, quando você tocou a campainha, fui tomada de tal
nervosismo que quase desisti da apresentação.” p.54 Podemos perceber esse
caráter não só pela linguagem adotada, mas também pela forma dele ao narrar os
três momentos vividos pelo personagem, embora no decorrer do livro apareçam
várias retomadas no tempo, podemos dizer que ele obedece a um tempo
cronológico.
O primeiro conto é intitulado “Duas vezes com
Helena”, o segundo “Ermengarda com H” e o terceiro “Duas vezes Ela”. A ficção
conta a história de um homem bem sucedido que odeia o nome Polydoro e em
diferentes épocas de sua vida se envolve com três mulheres interesseiras, de
personalidades fortes, e dissimuladas, que insistem em abreviar o nome que ele
odeia, podemos dizer que as mulheres representam a ambição da época, o desejo
pelas riquezas e pelo crescimento na sociedade. A maneira misteriosa que Emílio
descreve as mulheres deixa o leitor surpreso de acordo com as atitudes que elas
tomam a cada conto.
Alguns assuntos que aparecem
constantemente no livro se tornam cada vez mais interessantes à medida que
aparecem, facilitando as conclusões do leitor em relação aos mistérios do
conto, como por exemplo, a numerologia que é bem presente principalmente no
primeiro; a ambientação onde o narrador menciona sempre as Águas de São Pedro.
A relação presente nos contos é clara, mas apesar dessa ligação, eles podem ser
lidos separadamente ou em ordem aleatória, pois a ordem que se lê não vai
interferir na interpretação do leitor.
No primeiro conto “Duas vezes com
Helena” Polydoro narra o rápido envolvimento dele com Helena, a esposa do seu
professor com quem tinha uma grande amizade, Polydoro vive o remorso de
achar-se um traidor, quando na verdade ele foi a principal vítima do professor
e de Helena que minuciosamente tramaram uma emboscada, uma traição dupla. Neste
conto o leitor surpreende-se com o professor, que armou toda a cena e obrigou
Helena a atuar. O que deixa este conto mais interessante é a quebra de
expectativa e também a forma fria com que Helena descreve para Polydoro todo o
acontecido.
“Ermengarda com H” é o segundo conto,
nele Polydoro aparece mais velho casado com Ermengarda ou Hermengarda, as duas
formas do nome são usadas por Paulo Emílio para diferenciar as duas faces dessa
mulher que com apenas um caderno revela sua real personalidade ao marido que só
percebe as inúmeras traições de ‘Hermengarda’ depois da fatalidade no fim do
conto.
E finalmente o terceiro conto “Duas vezes
Ela”, podemos dizer que dos três, este é o mais brilhante, neste Polydoro se
envolve com uma mulher bem mais nova que ele, por conta disso, são bem visíveis
alguns assuntos como a impotência sexual de Polydoro, e as inescrupulosas
revelações de Ela, uma mulher extremamente ambiciosa. Quando Polydoro
finalmente parece desvendar a personalidade dela, Ela o golpeia brutalmente, e
a forma que ela revela sua traição deixa este último conto com um caráter mais
cômico.
Três
mulheres de três PPPês é extremamente interessante pelas facetas que ele
apresenta, as características dos personagens, tanto de Polydoro um homem que
só vive para o trabalho, um homem rico e insensível que é enganado três vezes;
e as mulheres tomam um papel especial no livro pelas peças que nos pregam, com
as suas inesperadas atitudes e revelações.
Esta trilogia é de uma leitura
completamente fácil e envolvente, é um livro divertido, irônico e sarcástico,
que também apresenta suas críticas à classe média alta paulista da época,
podemos ver isso em algumas das falas de Polydoro “Trabalhar o dia inteiro para
aumentar o patrimônio” e “Em suma meus sonhos juvenis de suprema elegância
poder e cultura tinham se reduzido a um nível bem paulista!”. p.72 Infelizmente
Paulo Emílio Salles Gomes não mais escreverá ficções como esta, Três mulheres de três PPPês ficará para
provar o brilhantismo e a excelência deste escritor.
Três mulheres de três PPPês.
Paz e terra 1996, 3ª Edição. AA+